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O que você sabe sobre Orisas na Tradição Religiosa Yoruba?

Foto do escritor: ObaOjeleDeIfeObaOjeleDeIfe

Sou Faseyi Dada, Ojele do Templo de Obatala de Ile Ife e moro aqui em São Paulo. Em momento anterior tratamos aqui no nosso BLOG sobre nossos oráculos do Povo Yoruba. Já tratamos um pouco sobre Obatala, das Orisas Aje e Osun e outros assuntos importantes para a minha Religião Tradicional Yoruba. Ainda pouco conhecida pela maioria da população brasileira, a nossa Tradição Religiosa Yoruba é vasta em orações dedicadas aos Orisas (leia-se Orixás em português). Meu povo yoruba costuma sistematicamente, diariamente e de forma muito intensa cultuar muitos Orisas. Nossos Orisas são diversos, inúmeros. Alguns conhecidos nos países em que os nossos antepassados viveram escravizados, no período da colonização, deixando infinitas marcas nas culturas de vários países no continente americano: Brasil, Estados Unidos, Trinidad e Tobago, Cuba, Venezuela, entre tantos outros países. E no meu país, Nigéria, cultuamos ainda muitos outros orisas que ainda não são amplamente difundidos nestes países.



Cada tradição é um universo em particular com suas imensas diferenciações. Cada tradição religiosa reúne suas diferenças. Mas isso não impede que estejam interligadas. Serem diferentes não justificam atitudes de intolerância, desrespeito, longas comparações para formas de cultuar distintas, zombaria e certezas de superioridades indevidas de uma visão particular com outras desconhecidas. Bom, respeito é muito bom....assim aprendemos com nosso ancestrais. Diferentes sim, mas isso não impede que sejam respeitadas. É preciso entender que a visão yoruba, assim como vivemos na Nigéria, não é nem completamente igual e nem totalmente distinta de outras formas de culto aos Orisas em outras partes do mundo. Aprendemos a respeitar nossas diferenças. E acreditamos que aquilo que é central ao culto de um Orisa pode ser periférico para outro. Assim convivemos com bastante respeito e de forma amistosa intensamente. Não esperem de nós, povo yoruba, uma atitude diferente. Evitamos rivalidades diante de nossas pequenas ou imensas diferenças dos nossos cultos com aqueles estabelecidos na diáspora, nos países onde viveram os nossos ancestrais nos tempos tirânicos dos colonizadores americanos.



Como criador, Olodumare é chamado de Eleda (Eda = criador). No seu processo de criação, Olodumare se divide e se torna um ser múltiplo através de suas inúmeras criaturas. Olodumare em sua forma pura não pode ser percebido pelos sentidos ou compreendido pela inteligência. Isso explica o fato D'Ele não receber quase nenhuma adoração direta e oferendas.Tudo a ser oferecido ou as orações para Olodumare são através dos Orisas. Mas, como Eleda/criador, podemos começar a entendê-lo. Os Orisas são partes representativas de Olodumare. Cada Orisa é o universo visto de outro ângulo, de um jeito particular, de uma forma singular. Olodumare é a soma total de todas as complexidades, Olodumare/Deus é o universo visto de outro ângulo. Olodumare é o universo concentrado em uma inteligência. Olodumare é a força da qual tudo emerge e/ou a convivência de todas as complexidades.




Assim, Obatala pode ser entendido como Orisa da criatividade e ao mesmo tempo como a criatividade de Olodumare. Osun pode ser entendida como a Orisa da beleza, e como a força encantadora de Olodumare. Orunmila como o Orisa da sabedoria e a encarnação da sabedoria de Olodumare. Esu pode ser visto como o Orisa da transformação e da comunicação, e como a encarnação do imprevisível poder transformador e comunicativo (ASE) de Olodumare/Deus.



Nós, yorubas, não entendemos os Orisas como potências divinas raras. Sabemos que eles viveram na minha cidade Ile Ife, aprendemos com nossos relatos orais/narrativas orias que eles desceram para este mundo aqui onde vivemos. E mais especificamente viveram na África, na Nigéria, chegaram inicialmente na minha cidade Ile Ife e foram fundando outras cidades onde viveram: Osogbo, Ekiti, Oyo, Edé, entre outras cidades nigerianas. Assim são hoje homenageados com festivais nestas cidades e lá encontramos seus templos e seus sacerdotes. E ainda foram homenageados com seus os nomes em estados nigerianos: Estado de Osun (onde ficam as cidades de Osogbo e o bosque da Orisa Osun, onde está a minha cidade e o nosso Templo de Obatala de Ile Ife), Estado de Ogun (onde ficam as cidades de Lagos, Abeokuta e outras). Não duvidamos que os orisas tenham vivido como seres humanos e tenham deixado vasto legado.


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Além disso, as fileiras de Orisa não estão fechadas, mas podem ser atualizadas por seres humanos excepcionais. Podem surgir novos Orisas. Existem pessoas cujos ORIS foram criados de forma tão mais especial diante daqueles ORIS criados para seus contemporâneos. E podem um dia serem conhecidos como Orisas. E a história yoruba revela alguns importantes governantes do povo yoruba e que se tornaram orisas cultuados hoje na Nigéria: Oduduwa, Oramyan e outros. Eles fizeram boas obras para o povo yoruba enquanto estavam na terra como homens especiais e com uma missão importante para cumprir. Voltaram para suas moradas espirituais e aqui são lembrados, cultuados e recebem orações e oferendas.



Os seres humanos tornam-se Orisas. Não todos os seres humanos. Mas aqueles mais sábios e que fizeram boas e grandes obras enquanto estava na Terra. Portanto, ele são lembrados e adorados após a morte deles. Apenas os sábios são adorados. Os seres humanos tornam-se Orisas.

Os Orisas estão firmemente sob o domínio de Olodumare, cujo reinado moral/ético é tão certo e natural como a lei física. A justiça de Olodumare é impessoal, a punição/ penitência redentora, resultado natural da ofensa. Os Orisas Yorubas são mantidos nas mesmas leis naturais de justiça que eles importam. No universo moral/ético Yoruba, os deuses amam o bem porque é bom, porque está de acordo com a natureza de Olodumare, o árbitro supremo do certo e do errado.


A diversidade dos relatos orais tradicionais do povo yoruba sobre os Orisas é imensa. Os versos estritamente memorizados carregam um corpo de oração e oferendas vivas e dinâmicas a serem oferecidas aos nossos Orisas. Nós, sacerdotes yorubas, memorizamos, recitamos e transmitimos nossas narrativas As histórias contidas em nosso corpus oral sobre Orisas vão sendo narrados e recontados, revisados e reinventados todos os dias por nós, povo yoruba. Traduzimos em outras línguas em espanhol, português, inglês e outras.

Quando eu cheguei aqui no Brasil em 2014, observei que em algumas das religiões afrobrasileiras os Orisas eram identificados com os santos católicos, da tradição cristã dos colonizadores portugueses. Comemoram Ogun no dia de um santo católico chamado São Jorge. Comemoram Oxalá na figura do Senhor do Bonfim da Bahia, que é Jesus. A Santa Bárbara católica é lembrada e relacionada a Oya. Osoosi é lembrado no dia de São Sebastião. Não vou aqui comentar sobre as semelhanças que as pessoas encontram entre os seus santos católicos e os nossos Orisas. Respeito profundamente as diferenças!



E fiquei refletindo sobre alguma semelhança possível e que possa ajudar as pessoas criadas no catolicismo a entender a nossa devoção aos orisas na Nigéria, além de dessemelhanças entre as histórias dos santos católicos e de nosso Orisas. Eu entendi que os santos católicos possuem uma função essencialmente intercessora, em suas adorações cristãs ou no catolicismo praticado pelo povo brasileiro. E tão ricamente aproximados da vida do povo como eu vi nas festas juninas aqui em São Paulo, no culto às crianças nas festas de dois santos católicos Cosme e Damião, nas festas de Folia de Reis que fui convidado a participar em Campinas. Tanta festa, canções, instrumentos musicais e devoção aos santos católicos. E suspeito que essa é uma coincidência. Não que orisas sejam parecidos com tais santos. Mas a intensa devoção, dedicação e amor que nutrimos aos orisas e vi aqui semelhante no Brasil com os santos católicos. As longas horas de caminhadas até o santuário de Aparecida são provas de profundo amor e dedicação cotidiana dos católicos. Assim também acontece com nossos Orisas. Nós temos uma dedicação intensa à eles.




Embora a intensa dedicação popular aos cultos dos santos católicos tenha uma série de semelhanças com as nossas intensas horas de dedicação aos Orisas, não duvidem que são doutrinamente bastante distintos. Os Orisas ocupam um papel central na adoração, Veneração e na resolução dos problemas comuns a existência humana, entre nós, yorubas.

Nos nossos relatos orais yorubas e em língua yoruba aprendemos a entender situações existências dos Orisas e passadas nos tempos em que estes viveram aqui na Terra. Entendemos as mensagens simbólicas que nossos relatos orais nos trazem. E ao ouvir relatos em que os Orisas agem com falhas próximas aos nosso erros humanos, refletimos sobre os que podemos apreender de tais relatos para nossas vidas. Já os santos católicos nunca parecem se comportar assim com seus tropeços humanamente , pelo menos não após a conversão. Relatos/narrativas dos nossos Orisas exigem um tipo diferente de interpretação de textos/relatos orais sagrados. Com tais relatos dos feitos dos Orisas aprimoramos as nossas caminhadas terrenas e aceitamos tabus, regulações e concetiosmorais facilitadores da convivência com nossos semelhantes, Nossas narrativas orais ão saberes essenciais para lidar com nossos sentimentos humanos e solucionar impasses.



Nossos Orisas aparecem nos relatos orais descritos como realidades espirituais que habitam o mundo espiritual e viveram na Terra. E também como pessoas ligadas à terra que experimentaram as vicissitudes da existência humana e viajaram por nossas paisagens familiares, especialmente na cidade onde nasci e onde cresci, a cidade nigeriana, Ile-Ife. Os lugares associados aos nossos Orisas são especiais devido ao fato de terem abrigado os nossos Orisas e são freqüentemente o local de santuários e peregrinação (Osogbo onde viveu Osun, Ilé-Ifè onde viveram muitos Orisas, incluindo Obatala). Orisas têm histórias e personalidades distintas, estão associados a certos fenômenos naturais (água doce ou salgada, fogo, vento, trovão e ferro).


Admiramos suas virtudes, as formas como viveram os nossos orisas e seus feitos nesta passagem pela Terra. Levamos em conta tais atitudes deles nos nossos cotidianos. E eles nos inspiram cotidianamente. Nossos Orisas são exemplos morais/éticos para nossas vidas. Costumamos realizar consultas oraculares diante de uma decisão importante. E assim,através da consulta oracular, aproximamos-nos dos nossos Orisas de nossos impasses e buscamos soluções neste diálogo.




Estamos bem longe de ser Obatala, somos muito menores que os nossos Orisas, queremos sempre procurar ser mais semelhantes aos Orisas que cultuamos. Levamos os dias em uma luta imensa para ser mais parecidos com nosso orisas, ninguém pode ser igual, mas todos nós estamos tentando. O que acreditamos na cultura yoruba é que os Orisas existem para nós, os humanos. Não teriam sentido se não fossem para auxiliar nossas existências. E pode parecer estranho afirmar que os Orisas dependem do homem para a sua existência. Mas pensamos assim! São temporariamente e existencialmente anteriores às nossas vidas contemporâneas e muito mais poderosas que nossas existências. Para nós, povo yoruba, os Orisas realmente existem, são divindades poderosas e seus poderes são reais. Somos mutualmente dependentes, eles de nós e nós deles. Cuidamos diariamente de nossos Orisas, fazemos nossas orações diante de nossos igbas/assentamentos. Fazemos oferendas, limpamos os assentamentos. Amamos todos estes serviços. Orisas são superiores em suas potências, mas precisam de nossas atenções e carinhosos cuidados. E nós precisamos deles. Somos mutualmente dependentes. Olodumare nos deu a potência de cuidar dos orisas com nossas mãos. Os Orisas desceram e encarnaram para uma vida provisória em nossos atuais lugares sagrados de culto em nossas cidades na Nigéria. Nossos relatos orais são narrados para que conheçamos estas passagens deles pela Terra. Os Orisas, em geral, permanecem distintos de nós e subordinados a Olodumare.




Louvamos nossso sacerdotes do Povo Yoruba, nossos sacerdotes elogiam os seus Orisas e consequentemente os Orisas elogiam Olodumare. Somos e estamos interligados. Sendo assim somos essencialmente diferentes na nossa relação de cultuadores em comparação aos cultos dos cristãos com seu Deus. Nosso modo de cultuar não é comparável por sermos nem menos ou nem melhores que os cristãos. A exigência cristã de "fé" em Deus não tem significado em termos na Religião Tradicional Yoruba. Um Yoruba nunca diz "Eu não acredito em Deus". Existir já pressupõe estar em comunhão com os Orisas. Nenhuma dúvida deve haver. Não é preciso acreditar naquilo que já é inerente ao estar vivo.



O relacionamento entre um Yoruba e seu orisa é expressamente complexo. Uma pessoa que é Olorisa (Orisa Worshiper/ Cultuador/adorador de Orisa), aquela pessoa que tem Orisa, aquele que está com o Orisa, é aquele que faz Orisa. A maioria de nós, povo yoruba, herdamos nosso(s) Orisa(s). E sabemos muito bem que não devemos falhar em nossos cultos e fazer isso é um risco que pode nos levar à desordens perigosas, danosas e ninguém vai ousar fazer isso. Evitamos estes riscos e sintomas decorrentes e que poderiam ser doença ou morte na família, falha no negócio e assim por diante. Essas desgraças não são punições porque os Orisas estão bravos. Mas quando alguém herdou um Orisa dos seus ancestrais e decidiu agir com negligência com eles, apostou em colocar as coisas fora de ritmo. Uma consulta oracular pode reorientar tudo e a vida pode funcionar novamente corretamente, com a relação certa sendo restabelecida.



Estar com o Orisa é uma tradução igualmente correta da palavra Olorisa. O cultuador oferece o seu corpo como um veículo para o Orisa comunicar algo importante, ele permite que o Orisa "monte a cabeça", e ele se esforça para se tornar, por breves momentos, a personificação do Orisa. Chamamos Elegun, os que incorporam um Orisa. Fazer Orisa é uma expressão que significa estabelecer a interdependência entre orisa e aquele que cultua o Orisa. Os Orisas não podem existir para o homem sem o Olorisa através do qual ele pode se manifestar. Os Orisas devem ser fortalecidos através das atividades rituais dos Olorisas.



A função do ritual é em parte aumentar a força do Orisa, para fazê-lo mais forte ainda. Quanto mais sua força for ampliada, mais força ele poderá retornar à comunidade de cultuadores daquele Orisa. A maneira mais simples e mais comum de fortalecer os Orisas é quando Evocamos/ invocamos com inúmeros Orikis, nossas fórmulas poéticas com as quais os orisas são abordados, saudados, identificados, fortalecidos na relação com seus cultuadores. E as consultas oraculares colaboram para esta integração entre orisas seus cultuadores.


Fontes tradicionais do Povo Yoruba variam em sua enumeração do números Orisas existentes, uns falam em 451, outros contam em 1.700, outros apontam em números 400 e 200 (e a sua soma 600) também são comuns e ainda falam que são 401 ou 201. Todos esses são números simbólicos que indicam o número indefinido e ilimitado de divindades. De fato, qualquer coisa pode se tornar um Orisa. No mundo Yoruba tradicional, o sobrenatural nunca está muito longe do mundo natural.







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3 Comments


ObaOjeleDeIfe
ObaOjeleDeIfe
Mar 24, 2018

Agradecemos pelos comentários, visualizações e curtidas desta postagem! Você pode ser um membro do site. Basta fazer seu registro no alto da página, a direita: Membro do site?. Clique e faça seu registro.

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Alabalase Ile Ife
Alabalase Ile Ife
Mar 11, 2018

É sempre bom saber um pouco mais sobre a nossa Religião Tradicional Yoruba! Que os Orisas continuem a abençoar nossas vidas sempre! Ase ooo!

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Babalorisa Faseyi Dada
Babalorisa Faseyi Dada
Mar 10, 2018

Eu sinto uma grande alegria ao escrever para os brasileiros sobre a minha tradição religiosa yoruba! Sei que muitos brasileiros amam e cultuam Orisas nas suas Religiões Afro-brasileiras! Os Orisas continuem abençoando o Povo brasileiro! Ire ooo! Ase ooo!

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